vendredi 1 février 2008

Letra P


P


PERIFERIA

Eles não são mimados nos guetos obscuros
A comida é bem rara, mais ainda a alegria
Os caras não desfrutam da vida nas favelas
Cuidado com guerras de gangues, gangrena de mendigos

Se a periferia aparece em meu abecedário, é porque lá acontecem coisas graves. Na verdade, não é por acaso que a periferia se torna cada vez mais um ninho de criminalidade. Há trinta anos os sociólogos dão o alarme sobre os danos causados aos espíritos pela vida num universo de casas improvisadas, superpopuloso, desocupado, onde a população pobre e, na maioria, analfabeta é abandonada à máfia das ruas. Quando, além disso, certas pessoas da periferia são manipuladas por profissionais para quebrar, destruir, roubar, agredir, com fins eleitoreiros, e o opróbrio ricocheteia sobre o conjunto dessa população, muitas vezes claramente superior no âmbito da criatividade social, da solidariedade, da capacidade imaginativa e empreendedora, isso significa que se trama algo suspeito. Viver na periferia torna no entanto as pessoas mais fortes, mais leais, mais eficientes ; o tipo clássico de pessoa da periferia, uma vez adulto, será capaz de se servir de características adquiridas ao longo de uma juventude difícil. Ali, a humanidade é mais verdadeira, mais espontânea. O cadinho étnico funciona muito melhor do que acredita a opinião geral (dos que não vivem na periferia). O problema vem principalmente dos 10% de jovens descontrolados, abandonados pelos pais, pela escola, pelas estruturas sociais...
Os únicos que os acolhem são os membros da gangue, que se torna assim sua família. Ora, em sua maior parte, essas gangues de jovens são manipuladas pelos traficantes de drogas, que neles encontram alvo fácil, uma vez que eles não têm como se ocupar, como aspirar a uma vida produtiva, como desenvolver e manter a auto-estima.
Não tendo assistência, criados ao deus-dará, sem alguém que os eduque, que os oriente e lhes forneça os limites requeridos, os princípios éticos para a vida em comunidade, sem perspectivas de futuro a partir de um presente vazio, entregues a si mesmos, eles põem no mesmo saco pais, professores, policiais, políticos, juízes, cortando assim as únicas correias de transmissão que oferecem a todos, segundo o talento e a vontade individuais, o meio de subir na hierarquia social : a educação, capaz pelo menos de levar os melhores à cultura e ao aprendizado de uma forma útil e satisfatória de se inserir na sociedade, de usar sua massa cinzenta, prevista, geneticamente, para ser estimulada pela aspiração da alma a buscar as respostas relativas às grandes questões esotéricas.
A situação dos demais, dos que estão fracassando na escola, se torna insolúvel para o sistema educacional com salas abarrotadas, incapaz de conduzir cada aluno ao melhor de si mesmo. As causas, todos as conhecem :
- Falta de professores competentes para que se possa fazer trabalhar duro, falta de locais decentes disponíveis, ausência de respeito pelo mais velho e recusa da autoridade. Teoricamente, esse tipo de situação insolúvel sempre acaba mal para um ou outro dos campos antagonistas. O ser inculto busca destruir o que não compreende ! Assim como era possível, no tempo dos arcos e das flechas e até dos fuzis leves, levar a termo uma revolta popular subvertendo-se as relações de força entre as castas sociais em presença, o poder de fogo dos equipamentos modernos da polícia atual torna caduca qualquer revolução popular num país organizado.
O elemento surpresa pode garantir noites picantes a qualquer tropa formada por refratários à ordem social que lhes seja proposta ou imposta, mas a polícia tem sempre a última palavra. Os únicos recursos que restam aos contestadores inveterados são a greve de fome no caso dos não-violentos ou, no dos favoráveis à violência, o terrorismo urbano contra o serviço público objeto de seu ressentimento. Em Israel, na Argélia ou no Egito, uma situação ainda mais extrema traz a utilização dos carros-bomba, caso em que serão, sistematicamente, vítimas, onde quer que eles venham a explodir, dezenas de pessoas muito provavelmente inocentes quanto a tudo que revolta os terroristas. Na periferia, os « terroristas urbanos » são, com freqüência, adolescentes crescidos de crânio raspado, cujas idéias são tão pequenas quanto curtos os seus cabelos, e que vão, à saída dos jogos de futebol, lançar coquetéis molotov e pedras nos ônibus, pôr fogo em supermercados, quebrar vitrines, em suma, fazer tudo que liquidifica de medo o espírito do eleitor das bases e amedronta o povo. Os problemas decorrentes do processo de exclusão que se concretiza na periferia das grandes cidades só podem ser resolvidos com a adoção de duas atitudes claras :

1°)- Fornecer às escolas e às associações de bairros todos os meios necessários para que sejam verdadeiros locais de acolhida e de cultura para os jovens. Tornar todos esses pólos atraentes e interessantes, para impedir, a qualquer preço, que as crianças se habituem a andar pelas ruas e juntar seu tédio e seu vazio, pois o que encontrarão então para se ocuparem será tramar golpes desonestos que só a eles divertem, mas que se constituem na primeira etapa de uma jornada mais ou menos longa que desemboca, para centenas de milhares deles, nas gangues e nas penitenciárias, o que torna catastrófico esse início de marginalização decorrente da falta de cuidado e de acompanhamento social suficiente.
Qual é, atualmente, a resposta do governo ?
- Designam-se, para as áreas problemáticas, professores principiantes, o tráfico fecha as escolas quando bem lhe apraz, a população aterrorizada se fecha no silêncio que é lei ou é obrigada a se mudar, não há segurança, não há proteção, não há política de habitação nem de emprego. O complô parece óbvio : existe a vontade de empobrecer ainda mais a periferia, de forma a suscitar revoltas que possam ser reprimidas e dêem ao poder a oportunidade de endurecer a legislação que define as liberdades individuais e ocupar o local. A direita não conta, de forma alguma, com a periferia para lhe dar seus votos, e a periferia não deveria contar com os políticos de direita para compreendê-la. Em compensação, ela pode sempre contar suas próprias forças vivas quando a direita está no poder e a extrema direita tenta se implantar eleitoralmente através de uma estratégia que lembra as manobras urbanas dos nazistas nos anos trinta.
2°)- Que todos os habitantes dessas áreas se unam em seu amor e sua vontade para tornar impossível a presença dos traficantes de drogas nos locais onde vivem. A droga pesada é na verdade uma dos aliados mais seguros dos luciferinos para desestabilizar uma sociedade ou um país inimigo, e a periferia é seu terreno privilegiado. Por quê ? Porque a pobreza e a ausência crônica de valores familiares fortes cria candidatos amorais perfeitos para a realização das tarefas preparadas e programadas pelos mafiosos recrutadores de pequenos entregadores, de preferência, menores. Estes são os pára-raios perfeitos para os traficantes, pois sua idade os protege dos efeitos prolongados da justiça humana. Infelizmente, esses pequenos traficantes adquirem rapidamente o hábito de consumir cada vez mais das drogas pesadas que vendem, o que cria uma necessidade cada vez mais imperiosa de consumir, necessidade esta que os obriga a encontrar sempre novos clientes, os quais buscarão clientes para subvencionar seu novo vício, e assim por diante. E o que faz a polícia ?
Essa situação exponencial é do mesmo tipo que aquela criada pela AIDS : somente uma forte política de prevenção poderá frear o avanço gangrenoso do crack e da cocaína ; a primeira medida a ser tomada pelas famílias dos drogados é caçar e expulsar os traficantes dos locais onde estão implantados. Não esperem que a polícia o faça com seriedade, pois não lhe é dado esse tipo de ordem. Seu ministério tutelar e seus colegas desejam que a periferia ande mal, pois isso serve a sua política de grandes maquinadores, aplicável somente quando reina entre os cidadãos uma grande divisão. Uma periferia instável ? Mas é para eles a situação ideal : ela lhes dá a oportunidade de votar leis repressivas e racistas que não teriam, não fossem as perturbações dessas áreas, aceitação junto à opinião pública. Assim, existe de fato um complô ! Pois a direita vai cada vez mais para a direita e é cada vez menos republicana, esporeada pelas grandes corporações e pelo sistema financeiro que dominam os governos. Temos agora a oportunidade, com a esquerda representada por um ex-operário metalúrgico de bom coração e com boas intenções que, num gesto claro, cria, antes de indicar qualquer nome para participar de seu governo, uma secretaria de combate à fome, de escapar às armadilhas montadas pelas elites atreladas aos donos do poder e do dinheiro mundiais. A participação nos negócios desses luciferinos que se queixam sempre de serem satanizados (é o cúmulo !) seria sinônimo de catástrofe monumental, e precipitaria o país numa regressão fatal. Não se deixem simplesmente enganar por eles !
Quando se acumulam excessivos escândalos por parte de políticos de direita, vocês não acham curioso o fato de que sempre aconteçam de repente instabilidades econômico-financeiras, explosão de atos violentos e rebeliões em presídios ? É prático, em todo caso, para os que buscam pretextos para ordenar o aumento (com o argumento falacioso de « proteger as pessoas honestas »), em mais uma volta da engrenagem, dos meios materiais a fim de se recrutar policiais-robôs obedientes e felizes por terem encontrado trabalho, mas sendo esse aumento fundado na vontade autêntica de atemorizar o povo, de persuadi-lo da utilidade absoluta das medidas de segurança. Não é difícil, para os provocadores profissionais, fazer revoltarem-se os jovens da periferia castigados com o ódio pelo país que, vergonhosamente, explorou seus pais e os trata como portadores da peste, que só se interessa por eles com fins repressivos e humilhantes, por meio de homens de uniforme cuja atitude é, freqüentemente, arrogante e as palavras, insultantes. Serão eles culpados ou vítimas, esses terríveis jovens da periferia? Cabe a vocês julgar, em seu foro interior.
Sem respeito, não há boas soluções
No que diz respeito aos jovens « normais », um fato permanece : eles precisam de ajuda que desperte subitamente seu interesse pelos estudos, pelo esporte e pelos valores humanistas capazes de pouco a pouco reprogramar seus cérebros e apagar o programa negativo adquirido por causa de um ambiente desastroso. Quando emergem do limbo, não
são melhores nem piores que os vizinhos. O Homem é naturalmente gentil quando se é gentil com ele. Pelo menos, em todo caso, 90% são assim. É ridículo fabricar má reputação generalizada por causa de 10% de indivíduos meio incapazes. Não há problemas sem solução. Para esses jovens, a solução consiste em lhes oferecer trabalho decentemente remunerado e decentemente interessante. Será demais para o país ?
Se o sistema de vocês pune as jovens vítimas da incúria desse mesmo sistema como se eles fossem culpados, tal injustiça flagrante será o adubo perfeito permitindo que cresça em seus espíritos incultos a flor do mal. A melhor solução continuará sempre sendo a instauração de um diálogo verdadeiro entre todas as partes. A periferia serviu, serve e servirá de bom terreno para formar educadores, professores, trabalhadores sociais ; muitos habitantes da periferia desenvolvem uma personalidade atraente, talentosa, mentalmente forte. Embora essas áreas tenham principalmente favorecido a criação de guetos dos excluídos, eles são brasileiros, e é melhor lhes conceder acesso a uma escolarização de qualidade,
Seja a que preço for. Um ser humano não é um dado monetário. Por outro lado, se ele se tornar um elemento descontrolado (porque incontrolável) que circula na sociedade, custará afinal ainda mais caro em termos de estragos provocados, pois de forma geral é à degradação que se sente forçado a se entregar, numa tentativa desesperada de chamar a atenção para suas necessidades, terrivelmente insatisfeitas. O que se faz necessário para resolver um problema grave deve ser posto em prática, pois este não se resolverá por si mesmo, assim como uma infecção dentária não se cura sozinha !
A polícia deve ser deontologicamente correta e exemplar (o envio de uma elite de policiais e de instrutores humanistas para essas áreas de semi-direito ou ausência de direito parece mais judiciosa do que o costume atual que consiste em mandar para lá principiantes desorientados, armados e inexperientes) ; os comerciantes, os motoristas de ônibus deverão também tentar a instauração de um diálogo franco, aberto, respeitoso e compreensivo. Talvez isso possa funcionar. O abismo entre as gerações existe essencialmente devido à falta de respeito mútuo, de tolerância e de confiança.
Cortar o mal pela raiz é a única maneira de se livrar dele ; ora, a raiz deste mal é, indubitavelmente, a incomunicabilidade que reina entre as partes. A falta de respeito recíproca reina incontestada, e a insegurança ganha terreno, para grande alegria de seus promotores nacionais. Mas nem tudo está perdido ; todo problema tem solução ; no caso, a solução está na programação do cérebro de seus jovens problemáticos por meio de uma ocupação interessante e enriquecedora, numa palavra , respeitável. É o sonho de todos eles, porque a Sociedade não leva em conta as necessidades de cada um, sem exceções ! A repressão não fará cessar a causa nem seus efeitos. É a montante, na prevenção e nas mudanças de atitude, que se encontra a solução capaz de restabelecer uma certa segurança e uma certa paz civil nessas áreas loucas em que os adolescentes e as crianças, vítimas da inconstância conjugal dos pais, são entregues a si mesmos, em estado de total imaturidade intelectual e cultural.

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